A Paixão pelo Microcosmo dos Intestinos
Giulia Enders, formou-se em Gastroenterologia na Universidade Goethe, em Frankfurt, uma das mais prestigiadas da Alemanha, e é atualmente uma das mais célebres investigadoras sobre os intestinos. A sua trajetória na área da saúde começou de forma inusitada: aos 17 anos, Enders foi confrontada com uma persistente ferida na perna que não cicatrizava. Consultou vários médicos, mas o problema alastrou-se, atingindo também os braços e as costas. Nem a cortisona conseguiu conter a progressão.
Porém, um golpe de sorte levou-a a ler um artigo sobre um caso semelhante que sugeria uma ligação entre problemas de pele e a saúde intestinal. Enders decidiu experimentar uma abordagem radical: alterou a sua dieta, eliminando o leite e o glúten, e notou uma melhoria significativa. Este episódio foi determinante para o seu futuro profissional. Inspirada pela descoberta de que o verdadeiro problema residia nos intestinos, e não na pele, Enders decidiu estudar Medicina, especializando-se em Gastroenterologia. Na época, a comunidade médica começava a prestar maior atenção ao papel central dos intestinos na saúde geral, um tema que rapidamente se tornou a sua paixão.
O Impacto de uma Palestra Viral
Em 2012, Giulia Enders deu uma palestra intitulada “Darm mit Charme” (que se traduz aproximadamente para “Intestinos com Charme”) durante um evento Science Slam – uma espécie de competição onde investigadores apresentam os seus trabalhos de forma acessível e cativante. Enders venceu as competições de Friburgo, Berlim e Karlsruhe, e a sua apresentação tornou-se viral na Internet, acumulando mais de 500 mil visualizações no YouTube. Este sucesso impulsionou-a a escrever o livro “A Vida Secreta dos Intestinos”, onde explorou muitos dos conceitos apresentados na palestra, mas de forma mais aprofundada.
Neste livro, a autora convida-nos a uma exploração detalhada dos intestinos, desde o momento em que damos a primeira dentada num alimento até ao final do processo digestivo. Pelo caminho, somos confrontados com dados surpreendentes – como o facto de os intestinos possuírem um “cérebro próprio” –, e aprendemos como este órgão afeta várias outras dimensões da nossa saúde, desde as articulações até à pele, passando pela gestão do peso.
A Importância dos Probióticos e Prebióticos
Para manter os intestinos em pleno funcionamento, é crucial entender a diferença entre probióticos e prebióticos, bem como a sua importância na regulação da flora intestinal.
Probióticos
São microrganismos vivos, como certas bactérias e leveduras, que beneficiam o hospedeiro quando ingeridos em quantidades adequadas e reforçam as defesas naturais do organismo, ajudando a manter um equilíbrio saudável no intestino. Encontram-se em alimentos fermentados, como: Iogurte natural; Kefir; Leite fermentado; Kombucha; Produtos orientais à base de soja, legumes e verduras (como Miso, Natto, Kimchi e Tempeh); Chucrute (feito a partir da fermentação das folhas frescas do repolho ou da couve); Picles naturais; Levedura natural. Além destes alimentos, alguns queijos também podem possuir cultivos vivos de microrganismos com propriedades probióticas, sendo importante ler a etiqueta nutricional para confirmar a presença das bactérias. Para manter a flora saudável, aconselha-se o consumo de pelo menos 1 alimento fonte de probióticos por dia, especialmente durante e após o uso de antibióticos, que destroem também a flora intestinal saudável.
Prebióticos
Por outro lado, são fibras alimentares não digeríveis que alimentam as bactérias benéficas já presentes nos intestinos. Alimentos como alho, cebola, espargos e aveia, banana verde, são ricos em prebióticos e ajudam a manter as “boas bactérias” bem nutridas e ativas.
Giulia Enders explica que “os probióticos são como convidados de honra numa festa que revitalizam o ambiente da nossa flora intestinal, enquanto os prebióticos fornecem os alimentos e bebidas que mantêm essa festa a decorrer sem interrupções.”
O “Cérebro” dos Intestinos e a Sua Conexão com o Cérebro Principal
Um dos conceitos mais fascinantes discutidos por Enders é a existência do “sistema nervoso entérico”, muitas vezes referido como o “cérebro dos intestinos”. Este sistema contém cerca de 100 milhões de neurónios e funciona quase independentemente do sistema nervoso central. Ele coordena a digestão, mas também comunica com o cérebro através do eixo intestino-cérebro, uma via de comunicação bidirecional que tem implicações profundas na nossa saúde mental.
Enders destaca que cerca de 90% da serotonina, a “molécula da felicidade”, é produzida nos intestinos. Isto sugere que a saúde intestinal pode influenciar diretamente o nosso estado emocional. “Quando os intestinos estão desequilibrados, não é só a digestão que sofre – o nosso humor e bem-estar geral podem ser gravemente afetados”, sublinha a autora.
Higiene, Bons Hábitos e Saúde Intestinal
Além de uma dieta rica em fibras, probióticos e prebióticos, Enders destaca a importância da higiene e de certos hábitos que podem parecer triviais, mas que têm um impacto significativo na saúde intestinal. Por exemplo, a maneira como nos sentamos na sanita pode afetar a eficiência do processo de eliminação. A autora sugere que adotar uma posição de cócoras pode ajudar a evitar problemas como a obstipação. A pesquisadora também alerta para o uso excessivo de antibióticos, que pode destruir tanto as bactérias nocivas quanto as benéficas, levando a desequilíbrios que afetam todo o corpo.
Quando e Como Suplementar?
Embora uma dieta equilibrada seja fundamental, a suplementação de probióticos pode ser útil em situações específicas, como após um ciclo de antibióticos ou em períodos de stress elevado. No entanto, Enders adverte que nem todos os suplementos probióticos são criados de igual forma (aqui a cultura “Bio” é importante), e a escolha da cepa adequada é essencial para maximizar os benefícios. Entre as mais importantes em forma de suplementos:
- Bifidobacteria animalis: fortalece o sistema imunitário e ajuda na digestão e no combate a bactérias transmitidas por comida contaminada;
- Bifidobacteria bifidum: presentes no intestino delgado e grosso, ajudam na digestão dos laticínios;
- Bifidobacteria breve: presentes no intestino e no trato vaginal, ajudam a combater infeções por bactérias e fungos;
- Bifidobacteria longum: ajuda a eliminar toxinas do organismo;
- Lactobacillus acidophilus: ajuda na absorção de vários nutrientes, além de combater infeções e facilitar a digestão. Também estão presentes na vagina, onde ajudam a combater infeções;
- Lactobacillus reuteri: presentes na boca, estômago e intestino delgado, ajudam a combater a infeção por H. pylori;
- Lactobacillus rhamnosus: ajudam em casos de diarreia. Também pode ajudar a tratar o acne e a infeção por Candida sp.;
- Lactobacillus fermentum: ajudam a neutralizar produtos e toxinas libertadas durante a digestão e melhoram o crescimento da flora intestinal;
- Saccharomyces boulardii: ajuda a tratar a diarreia causada por antibióticos.
Como consumir:
É fundamental ler a etiqueta nutricional do produto, que deve indicar a quantidade de microrganismo por dose e qual a bactéria. O recomendado é que o suplemento tenha entre 2 e 10 bilhões de bactérias ativas, e é importante uma suplementação o mais variada possível de cepas e uma escolha de acordo com as necessidades.
Os Intestinos como a Base da Saúde Integral
O trabalho de Giulia Enders lança uma nova luz sobre a importância dos intestinos, revelando-os como um centro de comando vital que influencia todos os aspetos da nossa saúde. Ao entendermos e cuidarmos melhor dos nossos intestinos – através de uma alimentação adequada, suplementação, higiene e hábitos saudáveis – podemos melhorar significativamente a nossa qualidade de vida. Em suma, a saúde dos intestinos é a base de uma vida saudável. Como observa Enders: “ao cuidarmos dos nossos intestinos, estamos a investir na nossa felicidade, energia e bem-estar geral.” Se há um órgão que merece mais a nossa atenção, são os intestinos”.
Veja os vídeos:
O Discreto Charme do Intestino, AQUI
Giulia Enders | The Secret Life of the Gut AQUI