O Prémio Gulbenkian para a Humanidade 2024 foi atribuído a projetos de
agricultura sustentável pela sua contribuição para a segurança alimentar global,
a resiliência climática e a proteção dos ecossistemas. Mas, e para a saúde? É
melhor consumir alimentos biológicos?
O júri, presidido pela antiga chanceler alemã Angela Merkel, selecionou três
entidades como reconhecimento da importância da complementaridade do seu
trabalho e da necessidade de conciliar a investigação científica com aplicações
práticas na área da agricultura sustentável. A SEKEM (Egito), uma organização
com trabalho no domínio da agricultura biodinâmica, é distinguida em particular
pela sua emblemática iniciativa Associação Biodinâmica Egípcia, uma rede que
apoia os agricultores na transição para práticas agrícolas regenerativas; Rattan
Lal (EUA/Índia) é um cientista pioneiro na abordagem à agricultura centrada no
solo; e a Andhra Pradesh Community Managed Natural Farming (Índia) é um
programa que apoia pequenos agricultores, sobretudo mulheres, na transição
para uma agricultura natural.
Um estudo publicado em 2012 por investigadores da Universidade de Stanford
causou polémica ao comentar que a literatura até aquela data publicada não
continha “evidências fortes de que os alimentos biológicos fossem mais
nutritivos do que os convencionais”. Mas dava como seguro que “o consumo de
alimentos biológicos pode reduzir a exposição a resíduos de pesticidas e
bactérias resistentes aos antibióticos”. Ou seja, confirmava-se que consumir
produtos biológicos reduz a exposição a químicos potencialmente tóxicos
assim como a bactérias perigosas. Na década seguinte diversos estudos
demonstraram que
Parte desses estudos encontram-se elencados num trabalho publicado em
2022 pela Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade
do Porto sobre «Produtos Biológicos: Uma tendência crescente».
Gabriel Mateus, especialista em nutrição e coordenador do projeto Eat2Care,
em comentário a este tema lança a pergunta: “Afinal o que leva um indivíduo a
procurar um produto biológico? Antes de tudo, o principal motivo é justamente
o de evitar a exposição a substâncias que poderão estar na origem de diversos
problemas de saúde, nomeadamente em períodos críticos como a infância ou a
gravidez. Alguns estudos publicados nos últimos dois anos mostram haver uma
relação entre a exposição a pesticidas organofosforados e um risco superior de
ADHA (défice de atenção e hiperatividade) assim como um QI inferior nas
crianças”
Charles Benbrook, especialista da Universidade de Washington, tendo revisto o
tal estudo de 2012, apresentou novas conclusões: “Vários estudos bem
desenhados mostram que alimentos biológicos têm concentrações superiores
de antioxidantes e vitaminas. Alimentos como maçãs, morangos, uvas,
tomates, leite, cenouras e cereais têm níveis 10 a 30% superiores de vários
nutrientes, incluindo vitamina C, antioxidantes e ácidos fenólicos na maior parte
dos estudos”.
Ainda sobre a polémica de 2012, Gabriel Mateus comenta que “os seus autores
confirmaram a existência de níveis superiores de fenóis nos produtos
orgânicos. Este ponto é particularmente importante e só por si, porque confirma
que produtos biológicos são mais ricos em substâncias anticancerígenas. E de
facto já se sabia que os vegetais de origem biológica têm uma concentração
superior de fitoquímicos, as substâncias químicas que protegem as plantas das
agressões externas e que têm inúmeras propriedades quimiopreventivas para a
saúde humana”.
Segundo dados divulgados pela plataforma online, o leite e as aves de origem
biológica têm concentrações superiores de ómega-3. Os ácidos gordos ómega-
3 não só são importantes para a função cardíaca e o desenvolvimento do
cérebro da criança, pelas suas propriedades anti-inflamatórias tem
provavelmente um papel importante na prevenção do cancro. Além disso,
animais de origem biológica têm menos contaminação de bactérias que
resistem aos antibióticos. Este parece ser mais um daqueles pontos que
dificilmente deixa de representar uma vantagem para a saúde. Segundo o
estudo, os consumidores de animais criados de forma convencional têm 33%
mais hipóteses de ingerir bactérias que podem representar risco para a saúde.
Segundo esta plataforma de promoção de estilos de vida saudáveis, os
vegetais e frutos convencionais estão mais contaminados de pesticidas,
estando, no entanto, abaixo dos limites impostos pelo governo dos EUA. “É
muito difícil definir com segurança um limite de segurança para a exposição a
estes químicos. Não existem ainda estudos suficientes para se saber com
segurança os efeitos dessa exposição, especialmente no que diz respeito a
grupos mais vulneráveis. Sabe-se por exemplo que agricultores que estejam
frequentemente expostos aos pesticidas têm um risco superior de cancro do
que o resto da população. Será sensato, por uma questão de precaução
reduzir ao máximo essa exposição. Por outro lado, os níveis desses produtos
nos alimentos não são homogéneos, variando de produto para produto”
A organização internacional, The Environmental Working Group, dedicada à
pesquisa e divulgação de base científica para capacitação de escolhas
informadas, publicou no seu site uma lista dos alimentos considerados mais
contaminados e aqueles que não têm níveis tão elevados de pesticidas.